Por Fabio Blanco
Advogado e
Teólogo
A diversidade é
uma santa imaculada, louvada, venerada por todos os adeptos da "igreja do
pensamento que não desagrada ninguém". Segundo a doutrina dessa comunidade
amorfa, inócua e desinteressante, toda manifestação cultural deve ser
valorizada, nenhuma cultura pode ser considerada superior e, principalmente, toda
cultura deve ser respeitada, ainda que sua prática seja absurda ao observador.
Segundo esse pensamento, assuntos como os de algumas comunidades indígenas, por
exemplo, que enterram crianças vivas, simplesmente porque não nascem
fisicamente perfeitas, ficam, segundo a ideologia da diversidade,
automaticamente isentos de crítica. Não importa que tais práticas sejam uma
afronta ao bom senso e a uma mínima noção de humanidade; não cabe falar nada
contra elas. Além do sufoco infantil, o sufoco da opinião. O respeito à diversidade
é alçado, então, ao estatuto de lei universal, inviolável. Como diante de uma
regra imutável, enxergar o diverso como algo tolerável deixa de ser uma questão
de opção e valores e passa a ser mandamento. Ter o diferente como mal,
inferior, prejudicial não apenas é visto como um ato de intolerância, mas
começa a tornar-se um crime contra a humanidade. Se não gosta, cale-se e veja o
diverso divertir-se às custas de seu silêncio forçado. A diversidade assume
então o status de valor em si. Falar algo depreciativo do
outro torna-se blasfêmia sujeita à reprovação e excomunhão praticada pelos
asseclas vociferantes dessa entidade, dessa deusa, que tem recebido cada vez
mais louvores e oferendas. Criticar o diferente é pecado, e mortal. Mas quem
são os diferentes protegidos? Na verdade, são aqueles escolhidos segundo o
interesse da ideologia. A matança infantil indígena é diferente, a feitiçaria
africana é diferente, a poligamia e pedofilia islâmicas também são diferentes
e, por isso, falar algo contra essas chamadas "manifestações
culturais" é crime. Mas veja que, quando a diversidade, por si mesma,
passa a ser inviolável, não apenas a cultura estrangeira é cercada com muros
inexpugnáveis, mas as próprias manifestações internas, em sua infinita diversidade,
ainda que se choquem com os padrões construídos dentro da própria cultura.
Assim, qualquer atitude humana, mesmo que seja uma afronta ao bom senso, às
tradições e à própria percepção de natureza de um povo, fica colocada fora do
campo da crítica, permanecendo guardada das palavras contrárias. O que é isso
senão a imposição de uma mordaça absoluta? E o que é isso senão o próprio fim
da civilização como a conhecemos? E o que é isso senão o fim da religião mesma?
Ora, toda a construção civilizacional e religiosa fora erguida sobre a crítica,
a dialética e a dissonância. Sem isso, nada se teria feito. Se desde sempre os
homens não pudessem expor suas visões discordantes, viveríamos ainda nas
cavernas. Nem Marx sobreviveria, nem Napoleão permaneceria. Principalmente eles
fincaram seus pés sobre a rejeição do passado, sobre à crítica às tradições.
Podemos concluir, portanto, que se os pais revolucionários vivessem hoje, não
seriam o que foram, pois seriam sufocados pelo politicamente correto e pela
proibição à crítica.
Mas as coisas
não são tão simples assim. Em primeiro lugar, essa onda politicamente correta
tem raízes muito mais profundas que alcançam exatamente aqueles revolucionários
citados. Se hoje há uma ditadura contra a opinião, isso nada mais é do que o fruto
do totalitarismo plantado também por eles. Em segundo lugar, mesmo Napoleão e
Marx teriam voz nos dias de hoje. Sabe por quê? Porque as coisas que eles
criticaram são os únicos objetos de crítica permitidos: o cristianismo, o
capitalismo, a tradição e a moral. Se tudo está protegido pela couraça do
politicamente correto, estas manifestações citadas e seus correlatos: o homem
branco, a heterossexualidade, a família e os valores espirituais se encontram
fora dessa rede de proteção. Nada pode ser mal, exceto estas formas de cultura.
Um índio pode matar uma criança, mas um cristão não pode dizer que o
homossexualismo é um erro. Um africano pode fazer feitiços contra qualquer um,
mas um crente não pode orar pedindo bênçãos para Deus. Um homossexual pode invadir
um culto de uma igreja evangélica, lugar privado, e afrontar as crenças dela se
agarrando diante de todos, mas um pregador não pode, em praça pública, afirmar
que um gay está em pecado. Uma mulher pode reclamar pelo direito de matar
fetos, mas ninguém pode mandá-las calarem suas bocas. Os brancos precisam arcar
com os custos de uma escravatura secular, enquanto os negros não pagam nada
pela escravatura empreendida por eles mesmos. O capitalista pode ser demonizado
como avarento e explorador, enquanto líderes socialistas, ainda que usufruindo
de vidas nababescas, obtidas por meio da exploração de povos inteiros, são
tidos por heróis. Há dezenas de outros exemplos que poderiam ser citados, mas
esses bastam para mostrar que se o politicamente correto impõe o
"cale-se" a quase todos, ficam de fora exatamente aqueles que
livremente podem criticar os calados. E se um dia esses calados desaparecessem,
a utopia seria alcançada: um mundo onde ninguém critica ninguém, onde nada é
discutido, onde nada é melhorado. Como na música do John Lennon, uma mundo sem
religião onde todos vivem como um só. Um lugar eternamente inerte. Na verdade,
uma exata descrição do Inferno.